Crônicas publicadas no jornal ilheense Foco Regional

Levando a TV a sério (31/05/07)

O que você faz na sua vida? Trabalha muito, certo? Trabalha fora ou em casa, cuida dos filhos ou dos pais, estuda, faz uns bicos ou, algo mais cansativo ainda, pratica todas essas atividades ao longo do mês para poder atravessá-lo com as contas em dia. Ao mesmo tempo, achando justo, você tira umas folguinhas para assistir TV, não é verdade? Mas será que você merece assistir tevê? Quero dizer, será que você merece a programação que este veículo lhe oferece?
O artista ou o apresentador é um trabalhador como você, que na hora de folga pode até assistir televisão, mas fará isso para aprimorar o trabalho dele ou comparar o desempenho dele com o de outros profissionais. E você, liga o televisor para aprimorar o seu trabalho ou para se esquecer dele? A artista, a apresentadora, o âncora do telejornal, o diretor de edição, o redator-chefe, entre outros, são profissionais que dependem da telinha para manter suas contas em dia. E você, depende dela para ganhar dinheiro ou melhorar a sua vida?
Sei que todos merecemos um descanso, mas será que a qualidade que encontramos atualmente nos programas, tanto na tevê aberta quanto na por assinatura, é o que podemos classificar como digno para o nosso descanso? Através de um aparelho que consome energia elétrica, você também é constantemente bombardeado por propagandas claramente indutivas ao consumo de produtos que nem precisa, é bombardeado por programas depreciadores de valores que a sociedade ainda luta em preservar.
Será que alguém deixa um liquidificador ligado enquanto varre a casa? Será que alguém deixa o aspirador de pó funcionando e vai tirar uma soneca embalada pelo zunido de seu motor? Pensando nisso, proponho que tenhamos o televisor como mais um eletrodoméstico que merece, e deve, ter hora certa para ser usado e, além disso, nos trazer benefícios. Afinal, ele nos traz despesa, inegavelmente ele aumenta a conta de luz no fim do mês.
Tive a curiosidade de pesquisar o consumo de televisores modernos e descobri que um aparelho com uma tela de plasma de cinqüenta polegadas consome quinhentos watts por hora, é isso mesmo, consome mais do que oito lâmpadas de sessenta watts, isso representa oito cômodos iluminados. Outra, de quarenta e duas polegadas, consome trezentos e oitenta watts por hora. Isso é uma afronta ao nosso dinheiro. Não estou supondo que a maioria das residências possua esse tipo de televisor, mas essa "nova tecnologia" não está fazendo a parte dela quanto à economia de energia e nem os fabricantes estão pensando nas despesas do consumidor.
Mais e mais vezes ouvimos que a televisão desune a família, inibe conversas, distancia os amigos e, indiscutivelmente, desvirtua nossos valores. Esses fatores devem ser repensados. É nítido que as emissoras estão a serviço de uma ideologia capitalista, um sistema de idéias que diferencia cada vez mais as classes sociais e faz de tudo para que os trabalhadores se sintam felizes enquanto produzem de sol a sol, sem tempo para refletir sobre a vida que levam. Quanto aos valores desvirtuados, posso citar dois exemplos recentes. Este mês assisti a um trecho de um programa de venda de automóveis no qual o apresentador dizia que uma das vantagens de se comprar um Jipe todo equipado, mostrado no programa, era o de poder deixá-lo na rua e exibi-lo aos seus vizinhos. No mesmo dia, numa outra emissora, o apresentador de um programa de auditório destacou que o proprietário de um Dodge causaria inveja aos seus vizinhos quando voltasse para casa com o veículo todo reformado pelo programa.
São esses os valores que queremos para nossas famílias? Será que queremos gastar energia elétrica para termos nossos valores corroídos por apresentadores inconseqüentes que usam discursos consumistas e individualistas como esses e, no fim do mês, pagarmos pela energia desperdiçada e pela corrupção social? Será que queremos programas que tente nos ensinar a soletrar essa ou aquela palavra e nos faça esquecer de pensar em questões maiores? Será que queremos assistir à novelas que induzem os telespectadores a sonhar com o impossível, mantendo-os em estado de letargia total? Acredito que a TV quer tornar seus telespectadores seres que se sintam feios e pobres diante de um padrão de beleza e de vida nitidamente ficcionais e discriminadores.
Enfim, saber que a população está passiva e improdutiva diante de um aparelho elétrico, ouvindo notícias manipuladas e vendo imagens desnecessárias é o ganha-pão de todos os profissionais da TV, principalmente de seus proprietários (os que detêm as concessões). Em suma, eles trabalham garantindo os próprios salários e destruindo nossas vidas enquanto, consciente ou inconscientemente, ficamos absortos e estagnados dedicando nosso tempo e dinheiro a eles.
Prezado leitor, volto a lhe perguntar, você merece assistir televisão?